Tempestade: A queda de um ícone

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Tempestade: A queda de um ícone

Por Leo Gravena

Imagino que deva ser muito difícil escrever quadrinhos e realmente demonstrar a personalidade de um personagem icônico, então acabo muitas vezes relevando diálogos e decisões feitas por personagens que conheço bem. Nem todo escritor pode ter lido a história completa de tal personagem, pode não saber tudo o que ele fez e passou. Contudo, o que realmente me importo em quadrinhos é que os escritores consigam trazer a personalidade de um personagem sem alterá-la drasticamente, ou de maneira tão deturbada que sequer lembre o personagem anteriormente – e ai está a diferença entre um personagem mal escrito e um personagem que realmente muda, que cresce ou diminui.

Na recente Fabulosos X-Men, Brian Michael Bendis estava com Emma Frost em seu time e, por diversas edições, pecou feio com a personagem. A Rainha Branca é uma de minhas favoritas, porém sua personalidade de “Sassy Bitch com coração que fala merdas e é uma esnobe terrivelmente inteligente” não é algo facilmente acertado. Após edições e edições ele finalmente conseguiu melhorar sua escrita com a personagem quando a colocou em um papel que sempre a destacou: Educadora. Emma Frost é uma das maiores educadoras do universo Marvel (até mesmo melhor que Xavier) e após investir neste lado Bendis conseguiu, aos poucos, trazer a personagem que os fãs sempre conheceram.

E o quê Emma Frost tem a ver com tudo isso? Você deve estar se perguntando neste momento. E aqui está a resposta: enquanto a Rainha Branca era apenas má desenvolvida e escrita nas primeiras edições, o mesmo não ocorreu com Tempestade. Ela sempre foi realeza, claro. Adorada como uma Deusa, uma das mais poderosas mutantes… Um símbolo, nada menos. Ororo Munroe era, nos anos 90 e inicio dos 2000, a Mulher-Maravilha da Marvel. Ou pelo menos chegava bem perto. Tudo isso era, e ainda é, algo inovador. Pensar que, uma mulher e não apenas isso, mas uma mulher negra e mutante teria o status que Tempestade tinha nos quadrinhos – e tem até hoje, mesmo que de maneira menor – é fascinante.

Então as coisas começaram a mudar. Ororo não era apenas mais altiva, passou muitas vezes a tornar-se ditatorial. Afastando-se dos X-Men por um tempo, acabou se tornando aos poucos, uma personagem mais fria, criou uma nova ideologia. Cresceu e se esqueceu daquela jovem no Quênia que utilizava seus poderes para trazer a chuva e acabar com a fome.

Era notável a diferença da personagem. As coisas (pelo menos para mim), passaram a piorar em sua briga com Colossus na qual, enquanto no Time de Extinção: Tempestade o tratava como um tanque, dizia que não, mas era perceptível que sim. Ainda acredito que ela se importa realmente com ele, porém criou o consenso que estava tudo bem em deixar que ele caísse de um avião, afinal, é o Colossus!

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“Não me patronize. Fale comigo como seu igual. Como uma pessoa. Você se lembra de como fazer isso?”

 

As coisas pioraram quando Tempestade descobriu sobre a X-Force. A X-Force do Ciclope, fique bem dito.

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“X-Force, na teoria e na prática era uma abominação. Mesmo que você não acredite mais no sonho de Xavier, eu acredito”

Ela diz que as atitudes de Scott são ditatoriais, mas bem, vamos analisar as condições da X-Force, já que normalmente conhecem a Fabulosa X-Force com Logan e Deadpool, mas não a X-Force anterior: após quarenta e quatro alunos terem sido mortos por Purificadores – fanáticos religiosos que odeiam os mutantes – quarenta e dois na explosão de um ônibus escolar e outros dois assassinados, Scott Summers, O Ciclope, decide criar a equipe, coloca Wolverine no comando e diz para ele e sua equipe acabarem com ameaças antes que eles façam mais vítimas. Vale lembrar que os Purificadores não foram sequer procurados pela polícia. Não sofreram processo judicial, os Vingadores estavam pouco se f#####o.

Mas Ororo considerou terrível você matar diversas pessoas que sentem prazer em matar crianças mutantes. Pessoas que mataram crianças e estavam planejando matar mais. Claro, que há o lema de que heróis, X-Men, Vingadores, não matam… Ainda assim, Tempestade já deu ordem para os X-Men matarem Broods que haviam matado “apenas” duas pessoas até o momento e nenhuma delas era uma criança com menos de 12 anos que estava assustada e queria apenas sua família:

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“X-Men… …Ataquem para matar”

 

Vale Lembrar que ela matou diversos Skrulls que atacavam Wakanda e colocou a cabeça deles em estacas!

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“Vamos acabar com isso. Meu amor”

 

Vale lembrar que ela matou diversos Vampiros:

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“Sinto muito que não pude os salvar”

Ah sim, e não podemos esquecer de que ela matou uma mutante do mal arrancando seu coração:

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“Lide com isso… Ou não. Essa é uma escolha que cada um de nós faz… Cada dia de nossas vidas… Uma escolha que, infelizmente… Não é mais sua para fazer”

A morte da vilã avulsa foi totalmente desnecessária. Ororo tinha total controle na luta e Medula não possui nenhum tipo de poder ofensivo que Tempestade não pudesse lidar. Depois foi dito que Medula possuía 2 corações e na verdade não tinha morrido. Ainda assim, a deusa não sabia disso quando agiu contra ela.

Não estou dizendo que Tempestade mata por bem querer, que é um Deadpool da vida e não se importa com as consequências ou moralidade das mortes causadas por ela. Pelo contrário, Ororo, como todo herói, não gosta de matar. Mas em diversas situações de combate é encarado por ela como uma dura realidade.

Mas então chegamos a maior hipocrisia cometida pela personagem:
Após descobrir sobre a X-Force ela decide abandonar os X-Men e temos este dialogo com Wolverine:

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Logan diz “Se eu tivesse que fazer novamente, eu mataria MAIS deles. Porque talvez, se eu tivesse matado mais deles, Kurt ainda estaria vivo.”, ao que Ororo responde “Estou triste por ouvir isto. Porque esta pode muito bem ser a ultima bebida que dividimos”.

Logo a seguir, após os eventos de Cisma, Tempestade se juntou a Wolverine em sua nova escola. Não apenas isso. Seria compreensível ela acreditar que ele mudou. Que agora, como diretor, tentara mostrar exemplo para os estudantes. Ela fica sabendo que Logan criou uma NOVA X-Force. Ele não esconde isso dela, ela não o opõe.

O pior de tudo: Ororo Munroe decide criar sua própria X-Force. Junto dela no time está Psylocke. Tempestade estava todo o tempo ao lado de Wolverine e Psylocke, os dois que mais mataram pessoas em ambas X-Force. O título foi ruim, a história era fraca e pouquíssimas pessoas morreram na trama. Ainda assim ela não viu nenhum problema em trabalhar e ficar ao lado de Bishop. Ela estava disposta a trabalhar com um homem que passou ANOS tentando matar um bebê! Que passou anos tentando matar uma criança com a qual ela conviveu por um bom tempo em Utopia. Ela trabalha e salva Spiral, que matou e torturou diversas pessoas por puro prazer. Ainda assim ela recusa a entrada de Ciclope em sua escola porque ele matou um homem enquanto possuído por uma força cósmica… O que torna tudo ainda mais estranho, pois Bishop estava possuído por um espirito da natureza que se assemelhava a um urso e não tinha metade do poder da Fênix. Interessante, não?

Tempestade tomou o manto, ela poderia ter chamado sua equipe de qualquer coisa, mas decidiu por X-Force ao final, pois estava disposta a ir até esses limites. Ela estava disposta a trabalhar com assassinos e torturadores.

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Após isso, na nova revista “X-Men”, com o time todo feminino, Ororo entra no grupo e automaticamente decide ser a líder dele. Rachel Summers inicialmente não gostou disso e junto de Kitty Pryde fazia oposição às demandas e imposições de Ororo. Bendis decidiu levar Kitty para sua Revolução Mutante com a desculpa dela não estar mais confortável com Ororo, Wolverine, Fera e outros, simplesmente não darem a mínima para o que qualquer uma das outras experientes e fortes mulheres que estavam na equipe tinham a dizer. Poucas edições depois Rachel aceita Tempestade como líder após uma péssima decisão criativa onde a Summers diz: “Se você salvar a gente, você é Líder”. Obviamente Ororo as salva, com a ajuda de suas companheiras e o assunto nunca mais foi relembrado.

Em outra recente edição, Tempestade quase mata diversos seguranças avulsos de um vilão rui, e junto deles estava Monet e outros mutantes que estavam próximos, entre eles o bebê Shogo e sua filha de um futuro alternativo. Ela teria os matado se Rachel não tivesse a impedido a tempo.

Tudo isso, nos leva para a nova revista de Tempestade, escrita por Greg Pak, nela Ororo tem um surto de raiva e ataca uma jovem de 14 anos na cafeteria da escola somente por ela ter dito coisas das quais a Bruxa do Tempo não gostou. Agora, digam-me, como é possível justificar diversas dessas ações que, em grade parte, são condicentes com a “nova”, péssima, arrogante e mesquinha Tempestade que tenho visto nos quadrinhos? Me deixa triste pensar que uma fantástica personagem se tornou… Apenas isso

Então, enquanto lia a revista, me deparei com o que menos esperava. A primeira edição deu uma virada na personagem que há tempos eu queria ver novamente. Tempestade altiva, mas não arrogante. Uma Ororo humana, com sentimentos. Uma Ororo boa. A personagem finalmente está tendo um belíssimo desenvolvimento, em tramas que a levam de volta a sua origem, de Deusa na África, a criminosa, a X-Men.

Ao ser confrontada por uma estudante que pergunta o que ela esta fazendo pelo seu pais, pelo seu povo (não apenas os mutantes), Tempestade percebe que perdeu muito de si mesma. Na história da primeira edição a vemos ajudando uma comunidade na África, na qual é proibido ser mutante e ela deve ajudar com uma tsunami que irá destruir todo um vilarejo. A história é linda e poderosa. Me faz ter esperança de que…

Ei, todo mundo pode mudar, correto? Então por que um personagem de quadrinhos, também não?

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